Discurso Direto e Indireto
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O discurso é direto quando são as personagens que falam. O narrador, interrompendo a narrativa, as coloca em cena e cede-lhes a palavra. Exemplo:
No exemplo apresentado, o autor utiliza verbos de elocução ("disse-lhes eu", "respondeu uma delas), mas abre mão dos dois-pontos.
Numa estrutura mais tradicional teríamos:
No discurso indireto também temos a presença de verbo de elocução (núcleo do predicado da oração principal), seguido de oração subordinada (fala do personagem). É o que ocorre na seguinte passagem.
Ao contrário da fala do marido, em que o narrador reproduz fielmente as palavras do personagem, a fala de Dona Abigail não é reproduzida como as palavras que ela teria utilizado naquele momento. O narrador é quem reproduz com suas próprias palavras aquilo que Dona Abigail teria dito. Temos aí um exemplo de discurso indireto.
Veja como ficaria o trecho acima se fosse utilizado o discurso direto:
Veja, ainda, que o verbo sonhar, que no discurso indireto se encontrava no pretérito mais-que-perfeito composto (havia sonhado), no discurso direto passa para o pretérito perfeito simples (sonhei), e o verbo ir, que no discurso indireto estava no pretérito (iria), nodiscurso direto aparece no presente do indicativo (vai).
Repare que o tempo verbal, no discurso indireto, será sempre passado em relação ao tempo verbal do discurso direto. Reproduzimos, a seguir, um quadro com as respectivas relações:
"Aperto o copo na mão. Quando Lorena sacode a bola de vidro a neve sobe tão leve. Rodopia flutuante e depois vai caindo no telhado, na cerca e na menininha de capuz vermelho. Então ela sacode de novo. 'Assim tenho neve o ano inteiro'. Mas por que neve o ano inteiro? Onde é que tem neve aqui? Acha lindo a neve. Uma enjoada. Trinco a pedra de gelo nos dentes."
Na forma do discurso direto, teríamos:
Aí vai tudo o que você precisa saber sobre o assunto, diretamente de um dos maiores gramáticos brasileiros: Celso Cunha:
A essa forma de expressão, em que o personagem é chamado a apresentar as suas próprias palavras, denominamos discurso direto.
Observação
No exemplo anterior, distinguimos claramente o narrador, do locutor, o guaxinim.
Mas o narrador e locutor podem confundir-se em casos como o das narrativas memorialistas feitas na primeira pessoa. Assim, na fala de Riobaldo, o personagem-narrador do romance de Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa.
"E Alexandre abriu a torneira:
Daí ser esta forma de relatar preferencialmente adotada nos atos diários de comunicação e nos estilos literários narrativos em que os autores pretendem representar diante dos que os lêem "a comédia humana, com a maior naturalidade possível". (E. Zola)
Este processo de reproduzir enunciados chama-se discurso indireto.
2. Também, neste caso, narrador e personagem podem confundir-se num só:
1. No plano formal verifica-se que, introduzidas também por um verbo declarativo (dizer, afirmar, ponderar, confessar, responder, etc), as falas dos personagens se contêm, no entanto, numa oração subordinada substantiva, de regra desenvolvida:
"Fora preso pela manhã, logo ao erguer-se da cama, e, pelo cálculo aproximado do tempo, pois estava sem relógio e mesmo se o tivesse não poderia consultá-la à fraca luz da masmorra, imaginava podiam ser onze horas." (Lima Barreto)
A conjunção integrante falta, naturalmente, quando, numa construção em discurso indireto, a subordinada substantiva assume a forma reduzida.:
a) Discurso direto enunciado 1ª ou 2ª pessoa.
Comparem-se estes exemplos:
1. No plano formal, verifica-se que o emprego do discurso indireto livre "pressupõe duas condições: a absoluta liberdade sintática do escritor (fator gramatical) e a sua completa adesão à vida do personagem (fator estético) " (Nicola Vita In: Cultura Neolatina).
Observe-se que essa absoluta liberdade sintática do escritor pode levar o leitor desatento a confundir as palavras ou manifestações dos locutores com a simples narração. Daí que, para a apreensão da fala do personagem nos trechos em discurso indireto livre, ganhe em importância o papel do contexto, pois que a passagem do que seja relato por parte do narrador a enunciado real do locutor é, muitas vezes, extremamente sutil, tal como nos mostra o seguinte passo de Machado de Assis:
a) Evitando, por um lado, o acúmulo de quês, ocorrente no discurso indireto, e, por outro lado, os cortes das oposições dialogadas peculiares ao discurso direto, o discursoindireto livre permite uma narrativa mais fluente, de ritmo e tom mais artisticamente elaborados;
b) O elo psíquico que se estabelece entre o narrador e personagem neste molde frásico torna-o o preferido dos escritores memorialistas, em suas páginas de monólogo interior;
c) Finalmente, cumpre ressaltar que o discurso indireto livre nem sempre aparece isolado em meio da narração. Sua "riqueza expressiva aumenta quando ele se relaciona, dentro do mesmo parágrafo, com os discursos direto e indireto puro", pois o emprego conjunto faz que para o enunciado confluam, "numa soma total, as características de três estilos diferentes entre si".
Fonte: Celso Cunha in Gramática da Língua Portuguesa, 2ª edição, MEC-FENAME.
"- Por que veio tão tarde? perguntou-lhe Sofia, logo que apareceu à porta do jardim, em Santa Teresa.No discurso indireto não há diálogo, o narrador não põe aspersonagens a falar diretamente, mas faz-se o intérprete delas, transmitindo ao leitor o que disseram ou pensaram. Exemplo:
- Depois do almoço, que acabou às duas horas, estive arranjando uns papéis. Mas não é tão tarde assim, continuou Rubião, vendo o relógio; são quatro horas e meia.
- Sempre é tarde para os amigos, replicou Sofia, em ar de censura."
(Machado de Assis, Quincas Borba, cap. XXXIV)
"A certo ponto da conversação, Glória me disse que desejava muito conhecer Carlota e perguntou por que não a levei comigo."Para você ver como fica fácil vou passar o exemplo acima para o discursodireto:
- Desejo muito conhecer Carlota - disse-me Glória, a certo ponto da conversação. Por que não a trouxe consigo?Veja mais:
Tipos de Discurso
As falas - ou discursos - podem ser estruturadas de duas formas básicas, dependendo de como o narrador as reproduz: o discurso direto e o discurso indireto.Discurso Direto
O discurso direto caracteriza-se pela reprodução fiel da fala do personagem.
COISA INCRÍVEIS NO CÉU E NA TERRA
De uma feita, estava eu sentado sozinho num banco da Praça da Alfândega quando começaram a acontecer coisas incríveis no céu, lá para as bandas da Casa de Correção: havia uns tons de chá, que se foram avinhando e se transformaram nuns roxos de insuportável beleza. Insuportável, porque o sentimento de beleza tem de ser compartilhado. Quando me levantei, depois de findo o espetáculo, havia umas moças conhecidas, paradas à esquina da Rua da Ladeira.
- Que crepúsculo fez hoje! - disse-lhes eu, ansioso de comunicação.
- Não, não reparamos em nada - respondeu uma delas. - Nós estávamos aqui esperando Cezimbra.
E depois ainda dizem que as mulheres não têm senso de abstração...
Mário Quintana
As falas do personagem-narrador e de uma das moças, reproduzidas integralmente e introduzidas por travessão, são exemplos do discurso direto. No discurso direto, a fala do personagem é, via de regra, acompanhada por um verbo de elocução, seguido de dois-pontos. Verbo de elocução é o verbo que indica a fala do personagem: dizer, falar, responder, indagar, perguntar, retrucar, afirmar, etc.De uma feita, estava eu sentado sozinho num banco da Praça da Alfândega quando começaram a acontecer coisas incríveis no céu, lá para as bandas da Casa de Correção: havia uns tons de chá, que se foram avinhando e se transformaram nuns roxos de insuportável beleza. Insuportável, porque o sentimento de beleza tem de ser compartilhado. Quando me levantei, depois de findo o espetáculo, havia umas moças conhecidas, paradas à esquina da Rua da Ladeira.
- Que crepúsculo fez hoje! - disse-lhes eu, ansioso de comunicação.
- Não, não reparamos em nada - respondeu uma delas. - Nós estávamos aqui esperando Cezimbra.
E depois ainda dizem que as mulheres não têm senso de abstração...
Mário Quintana
No exemplo apresentado, o autor utiliza verbos de elocução ("disse-lhes eu", "respondeu uma delas), mas abre mão dos dois-pontos.
Numa estrutura mais tradicional teríamos:
"... havia umas moças conhecidas, paradas à esquina da Rua da Ladeira. Ansioso de comunicação, disse-lhes eu:
- Que crepúsculo fez hoje!
Respondeu-me uma delas:
- Não, não reparamos em nada."
Discurso Indireto
O discurso indireto ocorre quando o narrador utiliza suas próprias palavras para reproduzir a fala de um personagem.No discurso indireto também temos a presença de verbo de elocução (núcleo do predicado da oração principal), seguido de oração subordinada (fala do personagem). É o que ocorre na seguinte passagem.
"Dona Abigail sentou-se na cama, sobressaltada, acordou o marido e disse que havia sonhado que iria faltar feijão. Não era a primeira vez que esta cena ocorria. Dona Abigail consciente de seus afazeres de dona-de-casa vivia constantemente atormentada por pesadelos desse gênero. E de outros gêneros, quase todos alimentícios. Ainda bêbado de sono o marido esticou o braço e apanhou a carteira sobre a mesinha de cabeceira: 'Quanto é que você quer?'"
NOVAES, Carlos Eduardo. O sonho do feijão.
Nesse trecho, temos a fala (discurso) de dois personagens: a do marido ('Quanto é que você quer') e a de Dona Abigail que disse ao marido "que havia sonhado que iria faltar feijão".NOVAES, Carlos Eduardo. O sonho do feijão.
Ao contrário da fala do marido, em que o narrador reproduz fielmente as palavras do personagem, a fala de Dona Abigail não é reproduzida como as palavras que ela teria utilizado naquele momento. O narrador é quem reproduz com suas próprias palavras aquilo que Dona Abigail teria dito. Temos aí um exemplo de discurso indireto.
Veja como ficaria o trecho acima se fosse utilizado o discurso direto:
"Dona Abigail sentou-se na cama, sobressaltada, acordou o marido e disse-lhe:Verifique que, ao transformar o discurso indireto em discurso direto, o verbo de elocução (disse) se manteve, o conectivo (que) desapareceu e a fala da personagem passou a ser marcada por sinal de pontuação.
- Sonhei que vai faltar feijão."
Veja, ainda, que o verbo sonhar, que no discurso indireto se encontrava no pretérito mais-que-perfeito composto (havia sonhado), no discurso direto passa para o pretérito perfeito simples (sonhei), e o verbo ir, que no discurso indireto estava no pretérito (iria), nodiscurso direto aparece no presente do indicativo (vai).
Repare que o tempo verbal, no discurso indireto, será sempre passado em relação ao tempo verbal do discurso direto. Reproduzimos, a seguir, um quadro com as respectivas relações:
Verbo no presente do indicativo: | - Não bebo dessa água - afirmou a menina. |
Verbo no pretérito imperfeito do indicativo: | - A menina afirmou que não bebia daquela água. |
Verbo no pretérito perfeito: | - Perdi meu guarda-chuva - disse ele. |
Verbo no pretérito mais-que-perfeito: | Ele disse que tinha perdido seu guarda-chuva. |
Verbo no futuro do indicativo: | - Irei ao jogo. |
Verbo no futuro do pretérito: | Ele confessou que iria ao jogo. |
Verbo no imperativo: | - Aplaudam! - ordenou o diretor. |
Verbo no pretérito imperfeito do subjuntivo: | O diretor ordenou que aplaudíssemos. |
Discurso Indireto Livre
Finalmente, há um caso misto de reprodução das falas dos personagens em que se fundem palavras do narrador e palavras dos personagens; trata-se do discurso direto livre. Observe a seguinte passagem do romance As meninas, de Lygia Fagundes Telles."Aperto o copo na mão. Quando Lorena sacode a bola de vidro a neve sobe tão leve. Rodopia flutuante e depois vai caindo no telhado, na cerca e na menininha de capuz vermelho. Então ela sacode de novo. 'Assim tenho neve o ano inteiro'. Mas por que neve o ano inteiro? Onde é que tem neve aqui? Acha lindo a neve. Uma enjoada. Trinco a pedra de gelo nos dentes."
Na forma do discurso direto, teríamos:
"Então ela sacode de novo e diz:Na forma do discurso indireto, teríamos:
- Assim tenho neve o ano inteiro.
Mas por que neve o ano inteiro?"
"Então ela sacode de novo e diz que assim tem neve o ano inteiro."Outro Exemplo
Discurso Direto
- Bom dia. Estou procurando um vestido para minha mulher.
- O senhor sabe o número dela?
- Ela é meio gordinha.
- O maior tamanho que temos é 44.
- Acho que é esse o número dela. Ou 44 ou 88.
- Vou apanhar uns modelos para o senhor ver.
Discuro Indireto (conta com o narrador)
O homem entrou na loja, saudou o vendedor e lhe disse que estava procurando um vestido para sua mulher. O vendedor lhe perguntou o número e ele apenas disse que sua mulher era um pouco gorda, ao que o vendedor respondeu que o maior número que tinham na loja era o 44. O homem afirmou que esse era o número dela, mas que também podia ser o 88. O vendedor saiu e foi buscar alguns modelos para que o homem pudesse vê-los."Veja mais ainda:
Aí vai tudo o que você precisa saber sobre o assunto, diretamente de um dos maiores gramáticos brasileiros: Celso Cunha:
Discurso direto
Examinando este passo do conto Guaxinim do banhado, de Mário de Andrade:"O Guaxinim está inquieto, mexe dum lado pra outro. Eis que suspira lá na língua dele - "Chente! que vida dura esta de guaxinim do banhado!..."verificamos que o narrado, após introduzir o personagem, o guaxinim, deixou-o expressar-se "Lá na língua dele", reproduzindo-lhe a fala tal como ele a teria organizado e emitido.
A essa forma de expressão, em que o personagem é chamado a apresentar as suas próprias palavras, denominamos discurso direto.
Observação
No exemplo anterior, distinguimos claramente o narrador, do locutor, o guaxinim.
Mas o narrador e locutor podem confundir-se em casos como o das narrativas memorialistas feitas na primeira pessoa. Assim, na fala de Riobaldo, o personagem-narrador do romance de Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa.
"Assaz o senhor sabe: a gente quer passar um rio a nado, e passa; mas vai dar na outra banda é num ponto muito mais embaixo, bem diverso do que em primeiro se pensou. Viver nem não é muito perigoso?"Ou, também, nestes versos de Augusto Meyer, em que o autor, liricamente identificado com a natureza de sua terra, ouve na voz do Minuano o convite que, na verdade, quem lhe faz é a sua própria alma:
"Ouço o meu grito gritar na voz do vento:
- Mano Poeta, se enganche na minha garupa!"
Características do discurso direto
1. No plano formal, um enunciado em discurso direto é marcado, geralmente, pela presença de verbos do tipo dizer, afirmar, ponderar, sugerir, perguntar, indagar ou expressões sinônimas, que podem introduzi-lo, arrematá-lo ou nele se inserir:"E Alexandre abriu a torneira:
- Meu pai, homem de boa família, possuía fortuna grossa, como não ignoram." (Graciliano Ramos)Quando falta um desses verbos dicendi, cabe ao contexto e a recursos gráficos - tais como os dois pontos, as aspas, o travessão e a mudança de linha - a função de indicar a fala do personagem. É o que observamos neste passo:
"Felizmente, ninguém tinha morrido - diziam em redor." (Cecília Meirelles)
"Os que não têm filhos são órfãos às avessas", escreveu Machado de Assis, creio que no Memorial de Aires. (A.F. Schmidt)
"Ao aviso da criada, a família tinha chegado à janela. Não avistaram o menino:2. No plano expressivo, a força da narração em discurso direto provém essencialmente de sua capacidade de atualizar o episódio, fazendo emergir da situação o personagem, tornando-o vivo para o ouvinte, à maneira de uma cena teatral, em que o narrador desempenha a mera função de indicador das falas.
- Joãozinho!
Nada. Será que ele voou mesmo?"
Daí ser esta forma de relatar preferencialmente adotada nos atos diários de comunicação e nos estilos literários narrativos em que os autores pretendem representar diante dos que os lêem "a comédia humana, com a maior naturalidade possível". (E. Zola)
Discurso indireto
1. Tomemos como exemplo esta frase de Machado de Assis:"Elisiário confessou que estava com sono."Ao contrário do que observamos nos enunciados em discurso direto, o narrador incorpora aqui, ao seu próprio falar, uma informação do personagem (Elisiário), contentando-se em transmitir ao leitor o seu conteúdo, sem nenhum respeito à forma linguística que teria sido realmente empregada.
Este processo de reproduzir enunciados chama-se discurso indireto.
2. Também, neste caso, narrador e personagem podem confundir-se num só:
"Engrosso a voz e afirmo que sou estudante." (Graciliano Ramos)Características do discurso indireto
1. No plano formal verifica-se que, introduzidas também por um verbo declarativo (dizer, afirmar, ponderar, confessar, responder, etc), as falas dos personagens se contêm, no entanto, numa oração subordinada substantiva, de regra desenvolvida:
"O padre Lopes confessou que não imaginara a existência de tantos doudos no mundo e menos ainda o inexplicável de alguns casos."Nestas orações, como vimos, pode ocorrer a elipse da conjunção integrante:
"Fora preso pela manhã, logo ao erguer-se da cama, e, pelo cálculo aproximado do tempo, pois estava sem relógio e mesmo se o tivesse não poderia consultá-la à fraca luz da masmorra, imaginava podiam ser onze horas." (Lima Barreto)
A conjunção integrante falta, naturalmente, quando, numa construção em discurso indireto, a subordinada substantiva assume a forma reduzida.:
"Um dos vizinhos disse-lhe serem as autoridades do Cachoeiro." (Graça Aranha)2. No plano expressivo assinala-se, em primeiro lugar, que o emprego do discurso indireto pressupõe um tipo de relato de caráter predominantemente informativo e intelectivo, sem a feição teatral e atualizadora do discurso direto. O narrador passa a subordinar a si o personagem, com retirar-lhe a forma própria da expressão. Mas não se conclua daí que odiscurso indireto seja uma construção estilística pobre. É, na verdade, do emprego sabiamente dosado de um e de outro tipo de discurso que os bons escritores extraem da narrativa os mais variados efeitos artísticos, em consonância com intenções expressivas que só a análise em profundidade de uma dada obra pode revelar.
Transposição do discurso direto para o indireto
Do confronto destas duas frases:"- Guardo tudo o que meu neto escreve - dizia ela." (A.F. Schmidt)verifica-se que, ao passar-se de um tipo de relato para outro, certos elementos do enunciado se modificam, por acomodação ao novo molde sintático.
"Ela dizia que guardava tudo o que o seu neto escrevia."
a) Discurso direto enunciado 1ª ou 2ª pessoa.
"-Devia bastar, disse ela; eu não me atrevo a pedir mais." (M. de Assis)Discurso indireto: enunciado em 3ª pessoa:
"Ela disse que deveria bastar, que ela não se atrevia a pedir mais"b) Discurso direto: verbo enunciado no presente:
"- O major é um filósofo, disse ele com malícia." (Lima Barreto)Discurso indireto: verbo enunciado no imperfeito:
"Disse ele com malícia que o major era um filósofo."c) Discurso direto: verbo enunciado no pretérito perfeito:
"- Caubi voltou, disse o guerreiro Tabajara."(José de Alencar)Discurso indireto: verbo enunciado no pretérito mais-que-perfeito:
"O guerreiro Tabajara disse que Caubi tinha voltado."d) Discurso direto: verbo enunciado no futuro do presente:
"- Virão buscar V muito cedo? - perguntei."(A.F. Schmidt)Discurso indireto: verbo enunciado no futuro do pretérito:
"Perguntei se viriam buscar V. muito cedo"e) Discurso direto: verbo no modo imperativo:
"- Segue a dança! , gritaram em volta. (A. Azevedo)Discurso indireto: verbo no modo subjuntivo:
"Gritaram em volta que seguisse a dança."f) Discurso direto: enunciado justaposto:
"O dia vai ficar triste, disse Caubi."Discurso indireto: enunciado subordinado, geralmente introduzido pela integrante que:
"Disse Caubi que o dia ia ficar triste."g) Discurso direto:: enunciado em forma interrogativa direta:
"Pergunto - É verdade que a Aldinha do Juca está uma moça encantadora?" (Guimarães Rosa)Discurso indireto: enunciado em forma interrogativa indireta:
"Pergunto se é verdade que a Aldinha do Juca está uma moça encantadora."h) Discurso direto: pronome demonstrativo de 1ª pessoa (este, esta, isto) ou de 2ª pessoa (esse, essa, isso).
"Isto vai depressa, disse Lopo Alves."(Machado de Assis)Discurso indireto: pronome demonstrativo de 3ª pessoa (aquele, aquela, aquilo).
"Lopo Alves disse que aquilo ia depressa."i) Discurso direto: advérbio de lugar aqui:
"E depois de torcer nas mãos a bolsa, meteu-a de novo na gaveta, concluindo:Discurso indireto: advérbio de lugar ali:
- Aqui, não está o que procuro."(Afonso Arinos)
"E depois de torcer nas mãos a bolsa, meteu-a de novo na gaveta, concluindo que ali não estava o que procurava."
Discurso indireto livre
Na moderna literatura narrativa, tem sido amplamente utilizado um terceiro processo de reprodução de enunciados, resultante da conciliação dos dois anteriormente descritos. É o chamado discurso indireto livre, forma de expressão que, ao invés de apresentar o personagem em sua voz própria (discurso direto), ou de informar objetivamente o leitor sobre o que ele teria dito (discurso indireto), aproxima narrador e personagem, dando-nos a impressão de que passam a falar em uníssono.Comparem-se estes exemplos:
"Que vontade de voar lhe veio agora! Correu outra vez com a respiração presa. Já nem podia mais. Estava desanimado. Que pena! Houve um momento em que esteve quase... quase!
Retirou as asas e estraçalhou-a. Só tinham beleza. Entretanto, qualquer urubu... que raiva... " (Ana Maria Machado)
"D. Aurora sacudiu a cabeça e afastou o juízo temerário. Para que estar catando defeitos no próximo? Eram todos irmãos. Irmãos." (Graciliano Ramos)
"O matuto sentiu uma frialdade mortuária percorrendo-o ao longo da espinha.
Era uma urutu, a terrível urutu do sertão, para a qual a mezinha doméstica nem a dos campos possuíam salvação.
Perdido... completamente perdido..."
( H. de C. Ramos)
Características do discurso indireto livre
Do exame dos enunciados em itálico comprova-se que o discurso indireto livre conserva toda a afetividade e a expressividade próprios do discurso direto, ao mesmo tempo que mantém as transposições de pronomes, verbos e advérbios típicos do discurso indireto. É, por conseguinte, um processo de reprodução de enunciados que combina as características dos dois anteriormente descritos.1. No plano formal, verifica-se que o emprego do discurso indireto livre "pressupõe duas condições: a absoluta liberdade sintática do escritor (fator gramatical) e a sua completa adesão à vida do personagem (fator estético) " (Nicola Vita In: Cultura Neolatina).
Observe-se que essa absoluta liberdade sintática do escritor pode levar o leitor desatento a confundir as palavras ou manifestações dos locutores com a simples narração. Daí que, para a apreensão da fala do personagem nos trechos em discurso indireto livre, ganhe em importância o papel do contexto, pois que a passagem do que seja relato por parte do narrador a enunciado real do locutor é, muitas vezes, extremamente sutil, tal como nos mostra o seguinte passo de Machado de Assis:
"Quincas Borba calou-se de exausto, e sentou-se ofegante. Rubião acudiu, levando-lhe água e pedindo que se deitasse para descansar; mas o enfermo após alguns minutos, respondeu que não era nada. Perdera o costume de fazer discursos é o que era."2. No plano expressivo, devem ser realçados alguns valores desta construção híbrida:
a) Evitando, por um lado, o acúmulo de quês, ocorrente no discurso indireto, e, por outro lado, os cortes das oposições dialogadas peculiares ao discurso direto, o discursoindireto livre permite uma narrativa mais fluente, de ritmo e tom mais artisticamente elaborados;
b) O elo psíquico que se estabelece entre o narrador e personagem neste molde frásico torna-o o preferido dos escritores memorialistas, em suas páginas de monólogo interior;
c) Finalmente, cumpre ressaltar que o discurso indireto livre nem sempre aparece isolado em meio da narração. Sua "riqueza expressiva aumenta quando ele se relaciona, dentro do mesmo parágrafo, com os discursos direto e indireto puro", pois o emprego conjunto faz que para o enunciado confluam, "numa soma total, as características de três estilos diferentes entre si".
Fonte: Celso Cunha in Gramática da Língua Portuguesa, 2ª edição, MEC-FENAME.
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